Conheçam a Saga Vale dos Elfos.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

TRADUZIR-SE


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar.

"Bom, como eu não queria colocar outro poema triste, decidi colocar esse do Ferreira Gullar, autor que gosto muito, e que nesses versos fala da inconsistência de nossas vidas, das diversas maneiras como somos, da mutabilidade e da diversidade de identidade que podemos ter, sendo ao mesmo tempo uma coisa e seu oposto."
Átila Siqueira.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Adeus, meu sonhos


Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus? Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!

Álvares de Azevedo.
Imagem: Jim Warren.

Obs: Esse é um poema que gosto muito, e sei que é muito triste, mas também o acho muito belo. Sempre gostei muito de Álvares de Azevedo.

terça-feira, 8 de julho de 2008

A História do velho René Comte.


Trecho do livro: Os libertadores. (Autor: Átila Siqueira).

Esse desafiou o marido de sua amada para um duelo. De escudo, espada e lança nas mãos, os dois se lançaram ao combate. Uma luta árdua, em que primeiramente eles deixaram a espada na cintura e lutaram com a defesa do escudo e atacando com suas lanças. Porém, em dado momento do combate às lanças se bateram violentamente uma na outra e acabaram por se quebrarem.

O velho René então puxou sua espada da cintura e se precipitou com toda sua fúria para cima de seu oponente, que também empunhou sua espada e lhe enfrentou.

A luta então continuou árdua e equilibrada, porém, difícil para ambos, pois se por um lado René havia sido outrora um grande guerreiro, e mantinha ainda imensa sabedoria e habilidade no combate, por outro lado, seu oponente era mais jovem e seu físico lhe dava vantagem.

A luta continuou por mais algum tempo, e aqueles que assistiam ao combate achavam que ninguém venceria, e que eles acabariam por cair de cansaço. Porém, um pequeno fato mudou o rumo do duelo. Em meio à batalha um vento soprou forte e carregou a areia que estava no chão e a jogou nos olhos de René. Esse teve a visão danificada e foi derrubado covardemente por seu inimigo, que vendo o acontecido, se aproveitou da situação. E após derrubá-lo ele disse:

- Eu acabarei contigo de uma vez por todas, velho tolo e imbecil. Tomei-lhe a mulher outrora, e agora lhe tirarei também a vida!

Ao ouvir essas palavras o velho René Comte ardeu em cólera e levantou-se rapidamente. E devido a essa fúria, esse deixou de sentir o peso da velhice e se sentiu como nos tempos de sua juventude, quando era um grande e valoroso guerreiro. Assim ele se precipitou com toda a sua cólera para cima de seu oponente, que vendo a morte estampada nos olhos de seu atacante, começou a recuar. Porém, esse recuo não pode lhe salvar, e René acabou por cravar a espada no peito do homem, que caiu de joelhos com a boca cheia de sangue.

- Tu foste um homem sem honra e sem coração em toda a tua vida, – disse o velho René Comte a seu oponente – pois roubaste a mulher alheia por pura ambição. Agora que estou velho, aceitou meu desafio achando que seria fácil matar-me. E se aproveitou de um vento de areia para me colocar covardemente ao chão. Pois bem, agora eu terei minha vingança, recuperarei minha mulher amada e lhe tirarei a vida.

Após dizer isso, René puxou sua espada do peito de seu inimigo e lhe arrancou a cabeça com um só golpe, e depois jogou o corpo e a cabeça para deleite dos cães.

Passado alguns dias René Comte conseguiu se casar com sua amada, e eles viveram juntos durante dez dias, em total harmonia e felicidade. Esses nunca foram tão felizes em suas vidas como naquele curto período. Ficavam todo tempo juntos, e não se desgrudavam por nem um instante. Porém, o destino veio novamente pregar-lhes uma peça. No décimo primeiro dia de casados, ele estava sentado na poltrona da belíssima residência, a qual havia adquirido na Vila de Rhône. Sua mulher veio então lhe trazer uma taça de vinho e deixou o líquido derramar no chão, onde escorregou e caiu batendo a cabeça na quina de uma mesa.

O velho René viu toda aquela cena e ficou chocado, e correu em socorro de sua amada. Mas já era tarde demais, seu destino estava traçado. E deitada em seus braços ela disse:

- Todo tempo que esperei para viver a teu lado valeu a pena, pois tu me destes a melhor época de minha vida. Eu lhe amo mais que tudo, e faria tudo de novo para ficar a teu lado. Eu lhe espero no céu para ficarmos juntos pelo resto da eternidade.

- Não meu amor, – disse René desesperado – não me abandones, pois não posso viver sem ti!

Era tarde em demasia. Por um ímpio lance do destino, aqueles que esperaram a vida toda para ficarem juntos estavam agora separados pela quase intransponível barreira da morte. O velho René Comte então, vendo sua amada, morta em seus braços, gritou – “Não!”. – e a deixou no chão e saiu correndo pelas ruas. Correu sem parar, saiu da Vila de Rhône e pulou de um penhasco sem hesitar em sua ação por nem um instante.

O funeral dos dois aconteceu de forma triste, mas também foi o rito fúnebre mais belo e emocionante que até hoje se ouviu falar por essas paragens. Todos se emocionaram ao conhecer a história deles. E esses foram enterrados um ao lado do outro, para ficarem juntos na morte por toda a eternidade, conforme era o desejo não realizado deles em vida. E em seus epitáfios estavam escritos:

“Amou ele e o esperou por toda a vida, e morreu em seus braços”.

“Amou ela e a esperou por toda vida, morreu ao perdê-la em seus braços”.



Esse é um trecho de meu primeiro livro, que se passa no século XIII, espero que gostem, e eu o trago como uma volta ao meu blog, a qual fiquei tanto tempo sem postar.

Átila Siqueira.